Os principais analistas discutem as grandes transformações que o
jornalismo vem passando nos últimos quinze anos, basicamente, sob três
enfoques: sua função e presença na sociedade, sua sustentação financeira
e sua relação com o público. Isto é, a cantilena sobre a crise dos
jornais e o fim do jornalismo alimenta os debates acerca de uma
reinvenção dos meios nos contextos democráticos e globalizantes, levando
em consideração mudanças drásticas nos chamados modelos de negócios e
nas próprias relações de consumo de informação. O escopo é abrangente,
mas ignora – por exemplo – uma dimensão importantíssima, a do jornalista
em geral e a do repórter em específico. Nestes novos tempos, o
jornalismo se transforma, mas e os repórteres mudam também?
Três episódios recentes sinalizam a necessidade de refletir sobre essa
necessidade e a direção que se quer tomar a partir dos câmbios. O animador de torcida
Exemplo 1 – ou quando se está a serviço do entretenimento paroquial: o
repórter deixa de perguntar o que é relevante ou esperado e se limita a
provocar declarações que alimentem uma brincadeira particular da
emissora .
Neste caso, é importante notar que o jornalista deixa de lado o aspecto
primordial de sua atividade – informar – e torna-se mais uma peça na
engrenagem de algo maior e que simplesmente engole o jornalismo.
Diferente do início do século XX, quando se articulavam cadeias de rádio
e TV que disputavam espaço e tempo para informar o cidadão, agora, os
grandes grupos são conglomerados de mídia; e jornalismo é mais um
produto no cardápio oferecido, ao lado do entretenimento e do comércio
derivado. O repórter abstrai-se da função de minerador de informações,
de extrator de declarações relevantes que auxiliem o público a
compreender melhor o que se passou; e com isso, o jornalista se esvazia
de uma atuação de relevância, tornando-se irrelevante e descartável. A justiceira
Exemplo 2 – ou quando se está a serviço da justiça: a repórter
transcende seu papel de obter a versão do acusado para se converter em
sua principal algoz, fazendo as vezes de justiceira.
Aqui, a jornalista não apenas se aproveita da condição de seu
entrevistado – algemado, acusado e enquadrado – para reforçar o esquema
de opressão e humilhação. A insistência nas perguntas, a jocosidade das
questões e a satisfação indisfarçada diante da ignorância do
entrevistado são evidentes. Não importa mais extrair uma confissão, mas
sim humilhar, rir e exibir a fragilidade a quem é dirigido o microfone.
Falsamente corajosa, ela se impõe sobre o acusado como se nos mostrasse
como se deve fazer com esse tipo de gente. O urubu
Exemplo 3 – ou quando se perde o limite do sensível: o repórter tenta
extrair à força uma declaração emocionada de alguém em clara
circunstância de fragilidade.
O entrevistado reage à insistência dos jornalistas que o cercam, como
abutres. Ao fundo, socorristas atendem apressadamente uma vítima, mas os
microfones disputam espaço e a atenção de quem tem preocupações muito
maiores que simplesmente tranquilizar os repórteres. Neste caso, os
jornalistas endurecidos em seu ofício ignoram a dor alheia e a real
necessidade de inquirir parentes em situações extremas. Desprezam,
portanto, a natureza humana de suas fontes e ainda demonstram uma
contundente falta de senso de oportunidade. Muda ou permanece?
Os três recentes episódios funcionam mais como contraexemplos e
ilustram facetas infelizmente comuns entre os profissionais do
jornalismo. Insensibilidade, ignorância, covardia, perversidade,
morbidez, inoportunidade, falta de bom senso, incompreensão sobre o
próprio papel são atributos que se mesclam às esperadas coragem e
sensibilidade, aos desejados oportunismo e foco. Note-se que não estamos
apenas tratando aqui de preparo técnico, mas acima de tudo de postura e
ética profissional. Pois sem valores bem amadurecidos, sem princípios
muito nítidos, não se faz jornalismo de qualidade ou com comprometimento
social. Sem a reflexão sobre o lugar que se ocupa na sociedade,
jornalista nenhum consegue preencher de sentidos uma atividade tão
complexa e dinâmica, confusa e plural.
Se a indústria jornalística está se transformando, se as relações com
as audiências são distintas de anos atrás, se a sociedade busca novas
funções para o jornalismo, os jornalistas também precisam modificar seus
modos de operar e ler a realidade. Principalmente os repórteres,
aqueles que enfrentam as ruas, que encaram as fontes, que se dispõem a
sujar as mãos no mar grosso das informações dispersas. Não é a
tecnologia que vai ditar esse conjunto de mudanças, nem os tremores
econômicos ou as tensões políticas. É a dimensão humana que atravessa os
dias desses profissionais que vai sinalizar como mudar. Vamos adiante,
então!
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