“O leitor é o verdadeiro patrão”
Foto: Divulgação
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Em 2008, quando Roberto Civita completou 50 anos na Abril, uma publicação comemorativa trazia a seguinte entrevista - na verdade uma colagem de discursos, palestras e depoimentos feitos a partir de 1968. Ela resume o pensamento do editor sobre jornalismo e sobre o Brasil. Confira os melhores trechos da entrevista.
Como o senhor definiria o Brasil? O Brasil é um fascinante, exasperante e bendito país!
Qual a razão do otimismo?
Nasceu em casa. Conto uma historinha para ilustrar o que aconteceu pouco antes do golpe militar de 64. Um jantar na casa do meu pai com uns oito ou dez amigos dele e os caras dizendo: “Eu estou tirando o meu dinheiro do Brasil...”, “Estou vendendo a minha fábrica...”, “Vou voltar a viver na Europa...”. O tom era esse. Eu calado porque eram todos de outra geração. Então, meu pai disse: “Pois eu estou comprando uma nova rotativa que custa 5 milhões de dólares”. Os amigos reagiram: “Você está maluco?”, “O que é que deu em você, enlouqueceu?”, “Você não está vendo o que é que está acontecendo neste país? O Brasil vai virar comunista...”, “Acabou tudo e você está investindo...”. A resposta do meu pai foi: “Se tomarem a minha empresa, pelo menos vão tomá-la com uma gráfica decente... É melhor que fiquem com uma gráfica grande”.
O comunismo não veio, o Brasil não acabou e passou até a se modernizar mais rapidamente...
É como dizem os hindus: a sorte é metade do sucesso. Mesmo assim, o que não falta é exasperação, certo? Era agosto de 1983. Eu dava uma palestra na Abril e dizia: “O Brasil está cansado e frustrado com a crise, com a corrupção, com a falta de perspectivas e com um governo que não governa”. Felizmente, concluí a palestra com uma nota otimista, e da qual muito me orgulho. Disse então: “Da mesma maneira que reencontramos os caminhos da democracia e soubemos mergulhar na abertura sem perder o equilíbrio, tenho a certeza de que — muito antes do que se possa imaginar — reencontraremos o caminho do crescimento econômico. Para isso, vai ser preciso repensar e mudar muitas coisas. Mas não tenho dúvida de que, juntos e com muita inteligência e ainda mais trabalho, saberemos fazê-lo”.
Existe uma fórmula mágica para o sucesso? Sim. Eu a conheço e já registrei com o nome de A Fórmula Mágica da Sorte e do Sucesso (ou — pelo menos — da Sabedoria) em Alguns Minutos por Dia ou Seu Dinheiro de Volta.
Nossa! O senhor pode nos contar como ela funciona? Trata-se, muito simplesmente, de LER.
Isso é uma sigla? Verbo. Ler o quê? Tudo o que cair em suas mãos! Folhetos, folhetins, fascículos, panfletos e literatura de cordel. Jornais (grandes, pequenos, nanicos e alternativos), revistas (gerais, profissionais, técnicas... até da concorrência), boletins, fichas de receita, anúncios, embalagens, bulas, enciclopédias, circulares, relatórios, o manual de proprietário do seu carro, quadrinhos, dicionários, programas de teatro, discursos, cartas de amor e — se possível — até alguns livros... Em qualquer lugar. E especialmente no trânsito, no banheiro, no ônibus, no avião, na praia, no elevador, no metrô, no intervalo do jogo no Estádio do Morumbi e — naturalmente — na sala de espera do médico ou dentista. Onde quer que você esteja. Em qualquer momento disponível. Quando não conseguir dormir, quando se encontrar em qualquer fila, no café-da-manhã, na hora do almoço (ou — se estiver de regime — no lugar do almoço), entre duas partidas de tênis no clube, durante os comerciais... até em vez de assistir a uma novela! O importante é reservar tempo para ler. Escolha a hora que quiser. Acorde mais cedo. Durma mais tarde. Mude algum programa. Mas... leia!
Mas funciona mesmo? A “fórmula mágica” deve ser testada ao longo de, digamos, 23 anos. Até lá não aceitamos reclamações. Falando sério, estou convencido de que a leitura é a receita mais simples para o conhecimento, a atualização permanente, o acesso ao mundo das idéias, a compreensão e a sabedoria. Quanto mais você ler, mais surpresas como estas terá: “Em vez de ser a condição natural do homem e da sociedade, a liberdade é algo que poucos alcançaram, em poucos lugares, através de esforço, dedicação, autodisciplina e engenhosidade social. A liberdade é a exceção da História, não a regra; é aquilo que os homens buscam, não o que possuem”. (Arthur Schlesinger)
Ou, ainda, sobre liberdade: “Se uma nação espera ser ignorante e livre ao mesmo tempo, espera ser algo que nunca existiu e que nunca existirá”. (Thomas Jefferson)
Ler não envolve apenas a busca de verdades eternas ou receitas universais. Ler é também diversão, entretenimento e bom humor.
Alexandre Dumas escreveu sobre o matrimônio: “A cruz do casamento é tão pesada que são necessárias duas pessoas para carregá-la, às vezes três”. E, finalmente, um velho provérbio chinês, aplicável a todos os nossos planejamentos: “É muito difícil fazer profecias, principalmente com relação ao futuro”.
Mas haja memória... Se me permitirem acrescentar mais uma recomendação àquela básica, eu lhes diria: sempre que possível, leiam com um lápis ou caneta na mão. Marquem os trechos que acharem importantes. Recortem artigos de jornais e revistas. Colecionem as frases ou parágrafos de que gostarem, como outras pessoas colecionam selos, figurinhas, autógrafos, conchas ou chaveiros. Classifiquem seus achados, arquivem-nos, troquem-nos com seus amigos... E voltem, sempre, para saboreá-los. Descobrirão que a sua coleção através dos anos revelará muitas coisas importantes a respeito de si próprios. Bem, se isso não trouxer sorte e sucesso, garanto que — no mínimo — trará sabedoria e muita satisfação.
As revistas podem competir com esses autores fabulosos que o senhor citou? Podem porque elas são o mais seletivo, segmentado, regionalizado, brilhante, íntimo, aproveitável, portável, rasgável, eficiente, dramático, inteligente, lindo, duradouro e maravilhoso veículo de comunicação que existe.
Se quiser ler a entrevista na íntegra, acesse: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/%25E2%2580%259Co-leitor-e-o-verdadeiro-patrao%25E2%2580%259D
A morte
Morreu neste domingo (26), aos 76 anos, o empresário Roberto Civita, filho de Victor Civita, fundador do Grupo Abril. Roberto Civita estava internado no Hospital Sírio-Libanês, na Bela Vista, região central de São Paulo.
Civita estava internado no hospital Sírio-Libanês, no centro de São Paulo (SP), desde o mês de março e seu estado de saúde era considerado delicado, devido a grande perda de sangue no processo cirúrgico.
Filho de Victor Civita, criador do Grupo Abril, Roberto estava há mais de duas décadas à frente da empresa, que edita a revista de maior circulação no Brasil, a Veja. Ele acumulava os cargos de presidente do Conselho de Administração e diretor editorial do Grupo Abril, e presidente do conselho da Abril Educação.
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