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Foto: Divulgação |
Ivan Martins é editor executivo e colunista da revista Época, escreve às quartas-feiras. Sou suspeita para falar dele (por acompanhar a coluna há dois anos), mesmo assim me arrisco em dizer que todo mundo deveria ler um texto opinativo desse jornalista (isso é um conselho, é claro). Recentemente lendo o livro "Alguém especial - crônicas de sexo, amor e outras fatalidades" -, um texto me chamou a atenção em especial. Por isso quero compartilhar alguns trechos com vocês, caros colegas focas. Acho que vale a reflexão.
Cantadas que ofendem
As mulheres brasileiras andam na rua ouvindo o que não querer ouvir
Confira alguns trechos:
Trabalhou comigo , anos atrás, uma moça da qual eu me lembro por três motivos. O primeiro é que ela contou uma vez, de passagem, que quando estava se sentido por baixo gostava de passar diante de um canteiro de obras: era inevitável que ao ver as suas pernas compridas os peões dissessem coisas que a faziam sentir-se bonita. Nunca esqueci esse comentário.
(...)
Em Paris ela pode andar de minissaia, pode sair e beber sozinha e há pouco risco de que seja abordada, elogiada ou insultada. Às vezes eu acho que ela abriu mão dos galanteios dos peões para ficar livre dos insultos. Outras vezes acho que ela descobriu que não gostava nem mesmo dos galanteios.
De qualquer forma, acho que galanteadores e agressores se parecem: cada um deles, a sua maneira, acha que tem o direito de dizer o que pensa a uma mulher estranha. Pode ser um elogio físico ou uma grosseria sexual, não importa. Em geral, trata-se daquilo que os americanos, apropriadamente, chamam de “atenção não solicitada.” Indesejada, na verdade.
(...)
É isso, não é? Mulher bonita anda pela rua e vai sendo alvo de comentários em voz alta. Que cara, que bunda, que isso que aquilo. Se você, caro amigo, acha que elas gostam, pergunte. Minha amostragem sugere que a maioria detesta. Se sentem ameaçadas, intimidadas, insultadas. Querem ser deixadas em paz.
Esse assédio sobre as mulheres acontece à luz do dia, na porta do trabalho, na travessia de pedestres, dentro do ônibus. Às vezes o tom de voz do sujeito ou as coisas que ele diz amedrontam. Outras vezes dá asco ou dá vergonha. Nas baladas pode ser pior: o garanhão de calça agarradinha chega apertando o braço da moça, mexendo no cabelo, forçando a barra. Não aceita não como resposta. Mas quem deu licença a ele para dizer coisas e tocar o corpo de uma mulher desconhecida?
Nós, homens, demos licença. A cultura machista nos dá licença.
(...)
Com o risco de incorrer em exagero, acho tudo parecido com tudo. O sujeito que diz besteiras a uma moça que caminha na rua, o playboy que agarra a garota na balada, o cara que se esfrega na mulher do trem, o marginal que insulta a moça da Uniban. Tudo faz parte de um mesmo contínuo de desrespeito à mulher. Ele começa com o chato do bar, que insiste na cantada apesar de meia dúzia de nãos, e termina... Sabe-se lá onde termina.
(...)
Minha opinião, pelo que vale, é que esse tipo de comportamento insultuoso tem de ser reprimido: socialmente e, se necessário, pela polícia. As mulheres têm direito de andar sozinhas pelas ruas, vestidas como quiserem, e serem respeitadas. E elas são o melhor juiz do que é ou não é desrespeitoso. Se o sujeito cruzou o limite, chama a polícia, avisa o segurança, pede ajuda ao dono do bar. Não faz sentido, em pleno século 21, que nossas filhas, namoradas, irmãs ou amigas tenham de andar pelo mundo com os olhos no chão porque um bando de homens não se aguenta nas calças.
Não sei se o tema ou a temática agradou. Mas a crônica também é um gênero jornalístico e pode ser utilizado como uma forma de contar histórias.
Certa feita, conversei com o jornalista Ivan Martins sobre seus textos e o fazer jornalístico. Confira trechos da conversa abaixo:
Sobre os textos da sua coluna, que você escreve às quartas-feiras, geralmente tem um “Q” de romantismo. Você acredita que isso acontece por quê?
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Foto: Divulgação |
De onde vem a inspiração para a criação desses textos? Geralmente vem da observação e da conversa com as pessoas. Qualquer um que escreva vive um pouco disso. Das suas histórias, dos seus sentimentos, e da história e sentimentos dos outros. Quem escreve precisa observar o mundo e ficar atento quando for escutar o que as pessoas estão contando, conversando, ou até mesmo reclamando. As ideias surgem assim, eu estou conversando com alguém - ou alguém me conta uma história -, a gente começa debater e aí, de repente, me ocorre: Pô isso dá uma coluna hein! É uma coisa legal, vou escrever a respeito disso. Assim saem os meus textos, do meu cotidiano e dos outros.
O que é necessário para escrever bem?
Em primeiro lugar é preciso ler bem. Também é necessário ter resistência, porque escrever bem não é fácil. Algumas pessoas até fazem isso com facilidade, mas a maioria de nós não. É um processo longo e doloroso. Para obter um resultado precisa ter resistência, é só isso. Tem que tentar melhorar, você não pode se satisfazer em escrever uma coisa medíocre. Tem que tentar escrever sempre melhor. Esse esforço do dia a dia, nos jornais, revistas, rádio ou televisão, que faz com o que o texto da gente melhore. É a tentativa de fazer ele melhorar. Ter um bom editor que oriente, te ajude, dizendo onde está bom ou onde está ruim. Mas é um esforço pessoal. Ler é importante, ler coisas boas te ajuda a escrever bem.
Cite três características que definem um jornalista.
A primeira de todas é curiosidade. O jornalista precisa ser uma pessoa curiosa. Segundo, ele precisa ser uma pessoa capaz de ter dúvidas. Pessoas com mais certezas do que dúvidas, no geral, não resultam num bom jornalista. E terceiro, o jornalista precisa ter genuíno interesse pelos outros. Quando você vai entrevistar um cara, que está te contando uma história, seja ele empresário, um sujeito que foi atropelado ou ainda alguém que está sendo injustiçado, você precisa de alguma maneira se interessar pelo que ele está falando. Jornalista precisa ter empatia, ser capaz de se interessar pelo outros. Se você não se interessa pelos outros, dificilmente você vai dar um bom jornalista.
Se quiser ler a crônica na íntegra, clique aqui.
Por Regine Wilstom
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