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quinta-feira, 10 de maio de 2012

A ética jornalística na berlinda

A profissão do jornalista também é regida por um código de ética. Revisado em 2007, ele afirma, no artigo 11, que “o jornalista não pode divulgar informações: I) visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica; II) de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes; III) obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”.
Há tempos, tive problema em sala com um aluno da pós-graduação, repórter de uma emissora de TV, que saiu em defesa do uso da câmara oculta para a realização de uma reportagem sobre drogas. Pouco tempo depois, circulou na internet um vídeo em que este mesmo rapaz entrevistava alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo fumando maconha (pode ser conferido no YouTube buscando “Alunos da USP fumando maconha”). Numa linguagem eivada de preconceito, o narrador informou que a reitora não quis se pronunciar sobre o assunto.
Eis a defesa do aluno: ele fazia jornalismo investigativo. A pergunta, no caso do filmete-denúncia no campus da USP, seria: a quem interessa semelhante esforço investigativo?
“Todo jornalismo tem de ser investigativo, por definição”, já disse o jornalista Gabriel García Márquez. A frase é ótima e tem efeito. Mas não contém tanta verdade como parece. Se for mesmo verdade que qualquer prática jornalística pressupõe investigação, há uma categoria que se diferencia pelo planejamento das etapas, tempo despendido e estratégias de pesquisa: ela é o jornalismo investigativo. Infelizmente, é a categoria menos praticada hoje.
Nenhuma empresa investe tempo e recursos humanos para apurar temas do interesse público. A maioria dos textos veiculados pela mídia chegam prontos às redações de jornais, emissoras de rádio ou de televisão e também para os portais de internet. Chegam na forma de releases (comunicando que haverá o coquetel de lançamento ou que houve uma coletiva em que o governador fez determinada declaração); notícias enviadas por agências (alguém apurou ou presenciou o fato ou tragédia); ou de outros sites ou programas de rádio. Nem tudo o que é publicado é fruto de investigação.
Mas jornalismo se faz com checagem das fontes, conversas demoradas com os responsáveis por um fato novo, com a confirmação dos dados com as autoridades. Nisso a prática da profissão se diferencia das outras.  
A imprensa é cortejada: laboratórios farmacêuticos, indústria automobilística, órgãos governamentais, presidentes de clube de futebol. Com o tempo, eles se aparelharam para produzir notícias, fatos, declarações, e ganhar espaço na imprensa. Mesmo com toda a “eficácia persuasória da publicidade”, o fato de um modelo da Honda ser apontado como “o preferido” pelos leitores de uma revista rende maior credibilidade do que o anúncio publicitário da montadora afirmando o mesmo. O aval da imprensa pesa mais do que o anúncio criado para a fábrica.
O primeiro caso foi a reportagem veiculada no programa Fantástico, da TV Globo, no domingo 18 de março. O repórter Marcelo Faustini, disfarçado de gestor de compras de um hospital público, no Rio de Janeiro, recebeu quatro representantes de empresas fornecedoras. Com três câmaras escondidas, dizendo-se novato na função, ele formulou perguntas básicas sobre como funciona o esquema das falsas licitações. Uma das representantes comerciais entrevistada explicava, aos risos, como se faz o dinheiro público ir para o ralo. A reportagem foi ao ar e teve grande repercussão.
Pouquíssimos questionaram o fato de que o repórter obteve as provas infringindo o código de ética: as imagens e confissões foram “obtidas de maneira inadequada, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfone oculto”, como diz o código.
O programa Observatório da Imprensa na TV tratou do assunto em sua edição de 27 de março, num debate que reuniu, entre outros, Luiz Garcia, articulista do diário O Globo; Caio Túlio Costa e Claudio Tognolli, este diretor-fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e professor da USP. Além de Cristiane Finger, professora da pós-graduação do Departamento de Comunicação da PUC-RS. O código de ética perdeu de goleada no debate.
Luiz Garcia afirmou que “um repórter que grava alguém propondo ou revelando ato ilícito está exercendo ‘jornalismo da maior qualidade’. Eles [os entrevistados] tiveram sua privacidade invadida, sim. E foi muito bem feito”. Tognolli acredita que o jornalista deve se valer de todos os instrumentos disponíveis para revelar informações relevantes para a sociedade. Mas Cristiane Finger ponderou que as imagens captadas por câmeras ocultas são sedutoras para quem assiste e facilitadoras para quem grava. Mas que a câmera escondida é uma armadilha contra o entrevistado. “A gente comete dois crimes ali. Um, contra os direitos individuais das pessoas. Nós não estamos em um regime de exceção, as pessoas têm direitos individuais. O segundo crime é de falsa identidade. Ou seja, estamos nos fazendo passar por outra pessoa. Isso é crime previsto no Código Penal”, criticou.
O círculo virtuoso deveria ser o jornalista investigar e descobrir as fraudes, levando o tema para a esfera governamental: o Ministério Público e a Polícia Federal deveriam correr atrás do prejuízo, confirmando as denúncias e instaurando processos. Pois deve ficar clara a distinção do papel da imprensa e do jornalista e a função da polícia e da justiça. Nunca é demais lembrar: o jornalista pode investigar, mas sua função é informar; o policial tem a obrigação de investigar e de denunciar. E quem julga e quem condena (ou absolve) é o juiz. Há jornalistas fazendo de tudo: investiga, denuncia, julga e condena (absolver, jamais). Às vezes, até informa.

Autor: Carlos Costa, jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates.

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico

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