A
profissão do jornalista também é regida por um código de ética.
Revisado em 2007, ele afirma, no artigo 11, que “o jornalista não pode
divulgar informações: I) visando o interesse pessoal ou buscando
vantagem econômica; II) de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário
aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;
III) obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de
identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em
casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as
outras possibilidades de apuração”.
Há tempos, tive problema em
sala com um aluno da pós-graduação, repórter de uma emissora de TV, que
saiu em defesa do uso da câmara oculta para a realização de uma
reportagem sobre drogas. Pouco tempo depois, circulou na internet um
vídeo em que este mesmo rapaz entrevistava alunos da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo fumando maconha (pode
ser conferido no YouTube buscando “Alunos da USP fumando maconha”). Numa
linguagem eivada de preconceito, o narrador informou que a reitora não
quis se pronunciar sobre o assunto.
Eis a defesa do aluno: ele
fazia jornalismo investigativo. A pergunta, no caso do filmete-denúncia
no campus da USP, seria: a quem interessa semelhante esforço
investigativo?
“Todo jornalismo tem de ser investigativo, por
definição”, já disse o jornalista Gabriel García Márquez. A frase é
ótima e tem efeito. Mas não contém tanta verdade como parece. Se for
mesmo verdade que qualquer prática jornalística pressupõe investigação,
há uma categoria que se diferencia pelo planejamento das etapas, tempo
despendido e estratégias de pesquisa: ela é o jornalismo investigativo.
Infelizmente, é a categoria menos praticada hoje.
Nenhuma empresa
investe tempo e recursos humanos para apurar temas do interesse público.
A maioria dos textos veiculados pela mídia chegam prontos às redações
de jornais, emissoras de rádio ou de televisão e também para os portais
de internet. Chegam na forma de releases (comunicando que
haverá o coquetel de lançamento ou que houve uma coletiva em que o
governador fez determinada declaração); notícias enviadas por agências
(alguém apurou ou presenciou o fato ou tragédia); ou de outros sites ou
programas de rádio. Nem tudo o que é publicado é fruto de investigação.
Mas
jornalismo se faz com checagem das fontes, conversas demoradas com os
responsáveis por um fato novo, com a confirmação dos dados com as
autoridades. Nisso a prática da profissão se diferencia das outras.
A
imprensa é cortejada: laboratórios farmacêuticos, indústria
automobilística, órgãos governamentais, presidentes de clube de futebol.
Com o tempo, eles se aparelharam para produzir notícias, fatos,
declarações, e ganhar espaço na imprensa. Mesmo com toda a “eficácia
persuasória da publicidade”, o fato de um modelo da Honda ser apontado
como “o preferido” pelos leitores de uma revista rende maior
credibilidade do que o anúncio publicitário da montadora afirmando o
mesmo. O aval da imprensa pesa mais do que o anúncio criado para a
fábrica.
O primeiro caso foi a reportagem veiculada no programa Fantástico, da
TV Globo, no domingo 18 de março. O repórter Marcelo Faustini,
disfarçado de gestor de compras de um hospital público, no Rio de
Janeiro, recebeu quatro representantes de empresas fornecedoras. Com
três câmaras escondidas, dizendo-se novato na função, ele formulou
perguntas básicas sobre como funciona o esquema das falsas licitações.
Uma das representantes comerciais entrevistada explicava, aos risos,
como se faz o dinheiro público ir para o ralo. A reportagem foi ao ar e
teve grande repercussão.
Pouquíssimos questionaram o fato de que o
repórter obteve as provas infringindo o código de ética: as imagens e
confissões foram “obtidas de maneira inadequada, com o uso de
identidades falsas, câmeras escondidas ou microfone oculto”, como diz o
código.
O programa Observatório da Imprensa na TV tratou do assunto em sua edição de 27 de março, num debate que reuniu, entre outros, Luiz Garcia, articulista do diário O Globo;
Caio Túlio Costa e Claudio Tognolli, este diretor-fundador da
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e professor
da USP. Além de Cristiane Finger, professora da pós-graduação do
Departamento de Comunicação da PUC-RS. O código de ética perdeu de
goleada no debate.
Luiz Garcia afirmou que “um repórter que grava
alguém propondo ou revelando ato ilícito está exercendo ‘jornalismo da
maior qualidade’. Eles [os entrevistados] tiveram sua
privacidade invadida, sim. E foi muito bem feito”. Tognolli acredita que
o jornalista deve se valer de todos os instrumentos disponíveis para
revelar informações relevantes para a sociedade. Mas Cristiane
Finger ponderou que as imagens captadas por câmeras ocultas são
sedutoras para quem assiste e facilitadoras para quem grava. Mas que a
câmera escondida é uma armadilha contra o entrevistado. “A gente comete
dois crimes ali. Um, contra os direitos individuais das pessoas. Nós não
estamos em um regime de exceção, as pessoas têm direitos individuais. O
segundo crime é de falsa identidade. Ou seja, estamos nos fazendo
passar por outra pessoa. Isso é crime previsto no Código Penal”,
criticou.
O
círculo virtuoso deveria ser o jornalista investigar e descobrir as
fraudes, levando o tema para a esfera governamental: o Ministério
Público e a Polícia Federal deveriam correr atrás do prejuízo,
confirmando as denúncias e instaurando processos. Pois deve ficar clara a
distinção do papel da imprensa e do jornalista e a função da polícia e
da justiça. Nunca é demais lembrar: o jornalista pode investigar, mas
sua função é informar; o policial tem a obrigação de investigar e de
denunciar. E quem julga e quem condena (ou absolve) é o juiz. Há
jornalistas fazendo de tudo: investiga, denuncia, julga e condena
(absolver, jamais). Às vezes, até informa.Autor: Carlos Costa, jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico
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