Duanne Ribeiro é jornalista especializado em Gestão Cultural e editor chefe da Revista Capitu Foto: Facebook
"Pense em tudo o que faz como a construção do seu trabalho pessoal e se esforce por isso. Dentro de uma empresa, crescendo com ela, ou além de qualquer empresa, se autopublicando. Como disse o poeta, não há caminho: o caminho se faz caminhando."
Quais motivos te levaram a cursar jornalismo?
Eu sempre gostei de escrever, desde pequeno escrevia uns contos, ao longo da adolescência mantive uns sites ou blogs e foi um tanto natural que eu seguisse em uma profissão que consistia basicamente nesse tipo de trabalho. Por outro lado eu fui acostumado bem cedo com a mídia jornal (meu avô comprava por conta das promoções de livros) e com programas de televisão jornalísticos ou pseudojornalísticos. Outro dia estava pensando que eu absorvi foi a ideologia de heroísmo da profissão porque lia bastante histórias em quadrinhos, e vários heróis são repórteres. E hoje em dia o Super-Homem largou o jornal e virou blogueiro, e eu estou aqui.
Na hora de me decidir para o vestibular eu estava entre jornalismo e filosofia, mas eu não queria ser professor, eu preferia escrever, eu preferia não estar tão preso a um local apenas. Era e ainda é o jeito com que prefiro ganhar a vida; mas hoje curso a graduação em Filosofia, sem a urgência de ter de acabar e começar a trabalhar.
Qual é a melhor lembrança que você tem da faculdade?
Além de todas as pessoas que conheci e que continuo encontrando aqui e ali, acho que são duas lembranças mais significativas, principalmente numa entrevista ligada à profissão. A primeira delas foi a produção do meu trabalho de conclusão de curso, que foi a origem da Capitu de hoje. Foi ali que na verdade compreendi o curso, que me envolvi com todas as partes básicas do jornalismo (reportagem, fotografia, diagramação, edição), com o apoio fundamental do meu orientador Marcio Calafiori, que me deu liberdade de trabalho e esteve sempre disponível e rigoroso na crítica, quando era preciso.
A segunda foi logo no primeiro ano, e foi quando compreendi o que era jornalismo, por conta de um amigo meu, Ivan Siqueira, que era muito mais repórter do que logo no início do curso. Tínhamos que fazer uma matéria para a primeira matéria com oficina de texto, saímos na rua sem pauta, só com a ideia, e fomos de fonte a fonte, até chegar a mais relevante delas com um pouco de informação, mas ainda tendo de pensar rápido e agir no improviso. Depois escrever o texto e ele vir riscado da cabeça ao pé de coisas que teriam que mudar, adequar ao estilo jornalístico, etc. Jornalismo em essência é arrumar o pneu com o carro andando, e eu descobri isso ali, naquele dia, na rua.
Com pós-graduação em Gestão Cultural, produtor de conteúdo para o Itáu Cultural e Editor da Revista Capitu é possível perceber o seu envolvimento com aspectos culturais. Para você o que significa o jornalismo cultural e qual a importância desse para a sociedade?
Na verdade não poderia ser de outra forma, na medida em que o jornalismo em si é uma atividade de cultura, qualquer matéria pressupõe um contexto cultural e uma intervenção em vários outros. "Cultura" é um conceito em debate e suas acepções mais sofisticadas compreendem os valores, os modos de convivência, a memória, a política, o trabalho, a economia, a academia. Tudo isso está em jogo para vários campos jornalísticos.
Se tomarmos o sentido mais restrito de "cultura" que é usado pelo "jornalismo cultural" mais comum, então a pergunta quer é saber qual meu envolvimento com as artes, provavelmente as mais canônicas. Eu tenho me especializado nesse tipo de cobertura desde a faculdade, com o trabalho de conclusão de curso, alguns cursos, a leitura óbvia dos manuais escritos pelo Daniel Piza e pelo Marcelo Coelho, etc. É meu campo de maior interesse ou com que tenho maior prazer em trabalhar, mas também me atraem outras aplicações da reportagem.
Para a sociedade, pelo menos no trabalho que eu tento fazer, com base no que aprendi de muita gente, a função do jornalismo cultural — ou mais amplamente, do jornalismo de ideias — é levar a atenção das pessoas a algumas obras que a mereçam, por motivos que o jornalista deve explicitar e justificar. Também, iluminar aspectos dessas obras, como funcionam e como se relacionam com o ambiente sociocultural que as criou. É inserir essas obras em um debate público, de maneira a aperfeiçoar esse debate público.
O caderno de cultura sempre foi visto como um caderno frio. Inclusive profissionais dessa área ganham menos. Por que você acredita que isso aconteça?
Eu não sei; depende muito do tipo de cobertura cultural a que os repórteres se dedicam a fazer. Vou estudar na pós, por exemplo, qual a extensão da inserção do tema políticas públicas na área de cultura no jornalismo cultural da Bravo! e da Folha de S.Paulo. Isso é um assunto quente, as últimas gestões do Ministério da Cultura modificaram o cenário do País. Outro tema possível é o da economia criativa, um conceito sendo aperfeiçoado, que recebeu uma secretaria específica recentemente e que se coloca como relevante para o desenvolvimento de várias comunidades. Esse é outro assunto quente.
Isso tudo sem diminuir a importância da agenda, com que os leitores provavelmente têm uma relação tão imediatista quanto a de qualquer caderno de esportes. Quanta gente não compra os jornais de sexta só pelos guias? E aí também a de se perceber o que está acontecendo em outros campos que não os "centros de prestígio". A periferia de São Paulo está efervescente com produção cultural e criou canais próprios de divulgação porque os jornais grandes perderam o bonde. Como é que amplia essa cobertura e se aumenta essa relevância pra todo mundo?
Em um ponto de vista urbanista, o jornalismo cria roteiros da cidade, determina campos visitáveis da cidade, cria ou desfaz os pedaços que a cidade se forma. Tudo isso está acontecendo naquelas notinhas de quatro linhas, em tempo real, e isso é quente.
Que relação existe entre o jornalista Duanne e a literatura, por assim dizer?
Como eu disse, eu escrevia desde pequeno e tenho algumas ideias ainda a efetivar. Recentemente publiquei um conto de ficção científica em uma antologia. Eu tenho um blog com algumas experiências, atualizado de maneira esparsa, a que devo dar mais atenção no ano que vem. Os últimos posts foram brincadeiras em um gênero que, descobri anteontem, já está até bem formado, o remix literário. No Digestivo Cultural, também escrevi duas crônicas.
A Revista Capitu trata basicamente de cultura e literatura. Mas qual é o propósito da revista? Quais são as mensagens que a revista visa passar para os seus leitores?
Essa é uma definição mais antiga da linha editorial da Capitu, formulada para o trabalho de conclusão de curso, mas que foi sendo modificada na prática ao longo dos quatro anos que a mantive depois de se formar. Sei que esse "slogan" e essa descrição anterior ainda está no site como nossas diretrizes, porém isso são coisas que atualizarei logo mais — estamos em um momento de reformulação. O novo lema é mais amplo: Cultura, Pensamento e Artes
São mudanças não só para ampliar a relevância da revista por si, para fazer com que seja mais inserida no debate social, mas para que ela se torne mais interessante para mim mesmo. Faço a revista por esforço próprio e principalmente com a colaboração de várias pessoas talentosas, e é importante em um sentido pessoal que ela seja instigante pra mim também, ou me tornarei uma máquina de postagem apática. Há pouco tempo me cansei disso e me afastei; e agora reencontrei a vontade de trabalhar na revista.
Os objetivos da revista é o de produzir esse jornalismo de ideias, ressaltar obras e debates. Capitu não pretende passar mensagens a ninguém, embora cada colaborador em particular possa ter esse propósito. A personagem de Machado é oblíqua e dissimulada, então seria só contraditório se tivéssemos uma bandeira e uma declaração de intenções à porta.
Falar de literatura é pensar em autores, obras e poetas. Mas o que é jornalismo literário?
O que se convenciona chamar de jornalismo literário deriva do new journalism que nasceu nos EUA, ou em experiências de texto mais elaboradas, como de Os Sertões. A crítica literária por sua vez é outra coisa, e há algumas correntes em disputa nessa área. O que poderiam perceber é que cada qual ilumina um tanto da obra, e não a esgota; não são mutuamente excludentes.
Como é possível aplicar, por exemplo, técnicas do jornalismo literário no dia a dia, para assim fugir daquele jornalismo “quadrado”? É possível aplicar, por exemplo, jornalismo literário na revista, no jornal e na rádio?
No dia-a-dia é complicado porque na maioria das empresas o que você faz é correr contra o tempo e produzir, produzir, produzir. Com tempo e espaço esse tipo de reportagem, o melhor tipo de reportagem, pode ser realizado com certeza, e o exemplo de excelência que temos é a Piauí. Penso que o jornalista, nesses tempos de autopublicação, pode pensar em realizar algo nesse sentido mesmo além do local em que trabalha, por gosto próprio.
Em alguns versos, ou palavras, defina quem é Duanne Ribeiro?
Não há muito que dizer de mim, não, eu sou as coisas que eu fiz.
Diga qual é o livro que todo jornalista precisa ler?
No campo do jornalismo cultural, Crítica Cultural - Teoria e Prática, do Marcelo Coelho, é excelente, muito superior ao famosíssimo Jornalismo Cultural, do Daniel Piza — que também é bom, mas é mais restrito. As antologias de entrevistas da Paris Review também são fundamentais. No campo do jornalismo literário, Fama e Anonimato, do Gay Talese, me mostrou todo um campo infinito de pautas possíveis, e Radical Chique, do Tom Wolfe, que é um exemplo genial de experimentação com linguagem no jornalismo.
Para fechar, qual o conselho que você deixa para os estudantes, futuros jornalistas?
Pense em tudo o que faz como a construção do seu trabalho pessoal e se esforce por isso; dentro de uma empresa, crescendo com ela (sim, é possível), ou além de qualquer empresa, se autopublicando. Como disse o poeta, não há caminho: o caminho se faz caminhando.
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Conheça alguns trabalhos do jornalista Duanne:
Digestivo Cultural
revistacapitu
duanneribeiro.blogspot.com
Contato:
@duanneribeiro
Facebook: Duanne Ribeiro
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