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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quem foi Alexander Page?


Março de 2011, Síria. Após as orações de sexta feira, na Mesquita dos Omíadas, a Grande Mesquita de Damasco, um senhor toma a frente daqueles que se reuniam em oração. “Meus filhos são prisioneiros e eu não os vejo há anos. Eu quero a liberdade deles.” Os demais homens gritam palavras de ordem em seu apoio. A Primavera Árabe havia chegado à Síria. E Alexander Page estava lá e foi a voz de um povo em um país silenciado pelo seu próprio governo.

Alexander nem sempre se chamou assim. Ele, na realidade, nasceu Rami Jarrah, no Chipre, filho de pais sírios, fugitivos do Massacre de Hama, em 1982, em que tropas do exército, lideradas pelo General Rifaat Al-Assad, irmão mais novo de Bashar Al-Assad, mataram entre 10.000 e 25.000 civis opositores do governo socialista Ba’ath. Viveu a maior parte de sua vida em Londres, onde estudou jornalismo.

Até que em 2004, Rami viaja a Síria para conhecer sua terra natal e de seus pais. Lá ele é preso logo na sua chegada, interrogado a respeito de sua relação com seus familiares expatriados rebeldes e proibido de deixar o país pelos próximos 3 anos. Em Damasco, acaba iniciando uma bem sucedida carreira como consultor de comércio exterior, conhece sua esposa e tem uma filha. É quando estoura a Primavera Árabe.

Rami participa dos protestos contra o governo de Bashar Al-Assad, no papel de observador. Armado com um celular, filma as manifestações e a violência a qual os manifestantes são submetidos e disponibiliza esse material no YouTube. Logo nas primeiras semanas de manifestação, ele é preso e levado à tortura; é obrigado a ficar de pé por 40 horas, enquanto é espancado, esguichado com água gelada e submetido à choques elétricos.

Quando liberto, após ser obrigado a admitir ser um terrorista, o rapaz sereno não era o mesmo. Ele se torna membro essencial do movimento opositor ao governo e volta a filmar as manifestações com seu celular, mas dessa vez, ao invés de levar ao YouTube, entrega o material às redes CNN, Al Jazeera e BBC, que têm dificuldades para driblar a censura do governo e relatar o ponto de vista da população.

Minutos antes de entrar ao vivo para relatar os últimos acontecimentos à BBC, Rami está com diversas abas abertas em seu notebook. Em uma delas, está escrito em inglês "Página do Alexander". O rapaz precisa de um codinome para sua própria segurança. Nascia ali, Alexander Page.




Poucos dias depois, a empresa de importação em que Rami trabalha obriga seus funcionários a comparecerem em um protesto pró-governo. O rapaz pede as contas sem pestanejar. Enquanto Rami Jarrah está desempregado, Alexander Page tem emprego integral.

Ao fim de 2011, ele é preso novamente durante outro protesto. Dessa vez, Rami (ou Alexander) levava consigo um roteador 3G para garantir conexão aos demais participantes da demonstração. Porém, diferentemente da vez anterior, o rapaz é rapidamente liberado para ir embora.

Nos dois dias que seguem, Rami tem a sensação de estar sendo observado e seguido por onde vai. Até que, ao chegar na porta de casa, após mais um dia de militância, um grupo de homens o espera. Ele é espancado. Algumas horas depois, em meio a madrugada, Rami recebe um telefonema de um conhecido infiltrado no serviço secreto. A identidade de Alexander Page havia sido descoberta. Duas horas mais tarde, ele, sua esposa e sua filha estão embarcando para o Cairo. A família está de mudança.

Hoje, Rami ainda vive no Cairo com a família. Mora em um apartamento, rodeado de telas de TV e computadores, acompanhando passo a passo dos rebeldes, do governo e das recentes ondas migratórias sírias. Ele continua atuando como jornalista/ ativista, agora apoiado pela organização holandesa Hivos, Instituto de Cooperação Humanista. Sua vasta coleção de textos, fotos e vídeos de crimes cometidos por Bashar Al-Assad contra seu povo só cresce. Está tudo cuidadosamente tabelado e classificado por tipo. Seu objetivo é que, quando Assad seja finalmente levado à corte, ela não tenha argumentos para negar seus crimes contra a humanidade.

Rami não atende mais como Alexander Page. Não é mais necessário. Mas Page não morreu. Se multiplicou. E está apenas esperando o momento de atender,mais uma vez, a voz daqueles que são silenciados.

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