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terça-feira, 16 de maio de 2017

Violência em nome da paz

A violência humana, razão de diversos estudos, pode até ser entendida em suas causas de origem social, defendida pelo filósofo Jean Jaqcques Rousseau, que o homem é corrompido pela sociedade. Porém, de acordo com Sigmund Freud, criador da psicanálise, os impulsos de agressividade são inerentes ao ser humano e não podem ser suprimidos em sua totalidade. Ao limitar estes impulsos, a sociedade cria normas em que ela mesma exerce violência sobre aqueles que desobedecem as suas leis. Reação que segundo Freud, ainda não obteve êxito para conter a agressividade humana. Fica a pergunta sobre o fim desta guerra, quem vencerá, a vida ou a morte? 

Livro referência em jornalismo investigativo


O livro reportagem “Rota 66 – A história da polícia que mata”, do jornalista Caco Barcellos, fala sobre a ação da polícia de São Paulo, mais propriamente da ROTA (Rotas Ostensivas Tobias de Aguiar), denunciando fatos adquiridos em 20 anos de pesquisas, que começaram na década de 1970. A obra só começou a ser escrita em 1992, sendo seu lançamento no ano de 2003. 
Para contar a história da polícia que mata no Estado de São Paulo, o jornalista começou a pesquisa com entrevistas junto a familiares de vítimas que se encontravam no pátio do IML (Instituto Médico Legal), que ficava próximo a sua primeira residência em São Paulo. O trabalho se estendeu às reportagens do jornal NP (Notícias Populares) que tratavam de pessoas mortas pela Polícia Militar (PM), baseadas, na sua maioria, nos Boletins de Ocorrência ou por Nota Oficial divulgada pelo Serviço de Relações Públicas da PM.  Segundo o autor, as versões dadas pela polícia sobre estes crimes eram de defesa. Por fim, Barcellos checava os fatos levantados junto aos dados do IML.
           Ainda, segundo Barcellos, esses PMs agiam espontaneamente a partir de uma suspeita, já iam fuzilando pessoas que na maioria dos casos, não tinham antecedentes criminais, sendo geralmente jovens, de aproximadamente 20 anos, negros ou pardos, imigrantes baianos, trabalhadores sem especialização, ou seja, pessoas humildes de bairros pobres e periféricos da cidade de São Paulo. Os policiais matadores ainda eram incentivados e valorizados pelo alto escalão da Polícia Militar, com prêmios, honras e legitimidade de seus crimes, bem como, exaltados por uma parte da imprensa.
          Porém, o modo de matar da polícia começou a merecer críticas desta mesma imprensa, somente a partir do momento que envolveu a morte de três jovens de famílias elitizadas, moradoras de bairros nobres de São Paulo, história que é desenvolvida pelo autor no início deste livro, ou seja, a PM persegue, em atitude suspeita, Fernando Noronha (17), Carlos Ignácio Rodríguez de Medeiros (21) e João Augusto Diniz Junqueira (19), que fugiam em um fusca azul, sendo os mesmos fuzilados pelos policiais da ROTA 66, que deu nome a este livro.
               O autor descreve nos mínimos detalhes a longa perseguição e o cenário de horror que envolvem o fuzilamento, a simulação de socorro e as tentativas da polícia de incriminar os jovens amigos do fusca azul para justificar a ação, o que era comum nos demais assassinatos da ROTA. A partir desse caso, a imprensa, que parecia sempre conivente com a morte de pessoas não influentes na sociedade, acreditando nas justificativas da polícia, muda de foco visivelmente devido à condição social dos envolvidos nessa última chacina e começa a procurar esclarecer a morte dos jovens ricos. 
               Nos diversos relatos, Caco Barcellos conta os abusos da polícia que mata sem dó e piedade e se aprofunda na história pessoal de cada vítima, o que leva o leitor a entrar na história, ser persuadido e sentir muita raiva dos bandidos de farda, como por exemplo, quando descreve José Mendes de Oliveira, cover do cantor Roberto Carlos, vítima da Rota 17:

O maior fã do cantor Roberto Carlos na Vila dos Remédios, em Osasco, gosta de imitá-lo em tudo. O estilo de roupas simples é idêntico ao do ídolo. Calça de tergal boca-de-sino, botas brancas com salto de cinco centímetros. A camisa azul turquesa, cheia de babado no punho, aberta no peito, mostra o medalhão de bronze preso à corrente do pescoço (...) (BARCELLOS, 2003, p. 173).


Jornalista Caco Barcellos
Foto: divulgação
      Ainda, com base nos dados levantados pelo jornalista, a maior parte das mortes causadas pela PM no período avaliado, era de pessoas inocentes. Em 20 de novembro de 1986, em uma reportagem para a Rede Globo de Televisão, Caco Barcellos junto com seu cinegrafista, conseguiu filmar a agressão de dois jovens na favela do Heliópolis e perseguiu os policiais,“impedindo” que os rapazes detidos fossem assassinados. A divulgação das imagens em todo o mundo ocasionou a punição dos policias agressores e o jornalista conseguiu provar, enfim, tudo o que já sabia.
O autor deste livro, com seus 65 anos de idade, cabelos embranquecidos e mais de 40 anos como jornalista, carrega dentro de si os ideais de criança da periferia de Porto Alegre. Quando menino, seus olhos azuis guardavam a esperança de um mundo melhor. Com 12 anos, foi perseguido por policiais e, como um gato, conseguiu se esconder, mas seus amigos foram presos injustamente. Fato que criou no jovem um sonho de lutar por justiça, principalmente para os menos favorecidos. 
Depois de 1973, resolveu que não iria sofrer mais como antes e sim seria testemunha dos sofrimentos dos outros, porque se tornara repórter. Hoje, Caco Barcellos é um dos mais respeitados jornalistas investigativos da televisão brasileira e seus trabalhos que denunciam a injustiça social e violência, lhe garantiram prêmios e notoriedade, como também várias ameaças.

A obra “Rota 66” é uma constante busca da verdade, onde cada personagem é descrito com intensidade, principalmente as vítimas de injustiça, para as quais o autor dá voz, vida, sentimentos, cor dos olhos, cabelos e outros pequenos detalhes. Enfim, os mortos têm vida, famílias, sonhos, relatos que deixam nua a sensibilidade do escritor por justiça social.

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