Confira abaixo a tradução da
entrevista.
PetaPixel:
Você pode me contar um pouco sobre como foi sua infância?
Nick Ut:
Eu tinha uma família grande no Vietnã. Meu pai era um fazendeiro. Minha mãe
estava ocupada - havia dez irmãos e uma irmã. Família grande, mas alguns deles
morreram na guerra. Meu irmão era um fotógrafo da AP. Ele trabalhou como
cameraman da CBS em 1960. Em 1964, ele entrou para a AP, e trabalhou lá por
quase dois anos. Ele foi morto em 1965, fazendo um trabalho para a AP.
Depois que meu irmão morreu,
eu perguntei a AP para me dar um emprego. Eles me disseram que eu era muito jovem.
Eu não tinha nem 16 anos na época. Eu continuei ligando para eles para dizer
que eu precisava de um emprego. Finalmente, em 1966, eles me deram um emprego.
PP: Então
você ligou para a AP pedindo um emprego?
Nick Ut:
Sim, para o chefe do meu irmão, porque ele conhecia meu irmão muito bem. Eles
não queriam me contratar porque meu irmão havia morrido. Então um dia eu liguei
para eles dizendo: Ei, eu quero estudar alguma coisa, e eu amo esse trabalho.”
Então eles me disseram para ir até lá.
Então eu comecei a estudar o
trabalho do laboratório no laboratório da AP em Saigon. Eu amava o
laboratório, porque em Saigon não havia nenhum lugar para estudar fotografia.
Lembre-se, em 1966, o Vietnã era um país muito pobre. Sem câmeras. Nada.
Depois que meu irmão morreu,
eles ficaram com a Leica, a Rolliflex e a Nikon dele. Eu peguei as câmeras e
aprendi muito. No laboratório da AP eles tinham inúmeras câmeras. Todos os dias
eu brincava com as câmeras de outros fotógrafos da AP. Eddie Adams, o famoso
fotógrafo que fez a foto do vietcong sendo executado, trabalhou para a AP em Saigon. Muitos fotógrafos
famosos trabalharam lá.
Mesmo eles estando ocupados,
eu aprendi muito com eles. Todos os dias eu pegava minha câmera, saia, e tirava
fotos de tudo. Então eu voltava, revelava os filmes, olhava para a minhas
fotos, e dizia: “Oh, isso parece bom”.
Um dia, havia monges
budistas ateando foto a eles mesmo em Saigon. Meu chefe falou “Nicky, você quer ir
tirar fotos?”, eu pensei “Eu não sou um fotógrafo”, mas ele disse “Vá
fotografar alguma coisa!” Então eu tirei algumas fotos. No dia seguinte, minha
fotografia estava na primeira página. Foi isso que me impulsionou para ser um
fotógrafo.
Eu passei mais de três meses
aprendendo naquele laboratório. Em 1968, os vietcongs atacaram a embaixada
americana em Saigon. Eu
fui tirar fotos. A AP me falou “Você é um bom fotógrafo”. Foi assim que eu me
tornei um fotógrafo de combate, em 1968.
PP: Qual
foi a primeira câmera que você usou?
Nick Ut: Eu
usei uma Nikon M e uma Leica M2. Depois a AP me deu uma M2, uma M3 e duas Nikon
F, então eu carregava quatro câmeras toda vez que eu saia para um trabalho.
Então eu comecei a viajar e
cobri Vietnã, Camboja, Laos... Eu viajava de motocicleta e fazia trabalhos
todos os dias. Guerra todos os dias. Era uma loucura. Eu fiz isso até 1975 e a
queda de Saigon.
Antes disso acontecer, a AP
me disse “Você precisa se transferir para o Japão, mas antes de fazer isso,
primeiro você precisa se tornar um refugiado”. Do Vietnã eu voei para as Filipinas, e depois para Califórnia. Para Camp Pendleton.
Eu
fiquei lá por quase três semanas, antes da AP me dizer “Nicky, vamos tirar você
daqui. Venha para Los Angeles. Precisamos preencher toda a papelada antes de
transferir você para o Japão”
Passei quase
duas semanas em Los
Angeles enquanto meus papéis estavam sendo processados.
Em 1975, eu fui para Tóquio,
e passei dois anos lá como fotógrafo da AP. Eu não estava cobrindo guerras, mas
havia muitos soldados lá. Depois de dois anos eu pedi à AP para me transferir
para Los Angeles. Naquela época eles tinham muitos fotógrafos lá, então eles
não quiseram me transferir. Eles sugeriram me mandar para o Hawaii ou para
Washington DC... para cobertura política. Eu disse “Washington é muito frio, eu
não quero ir pra lá, e no Hawaii não há trabalhos para mim”. Então eles me
mandaram para Los Angeles.
Eu passei mais de 30 anos em Los Angeles , de 1970
até agora. Eu passo muito tempo trabalhando em todo tipo de cobertura:
política, esportes, incêndios, prisões, etc... todos os tipos de cobertura.
PP: Você
se lembra o que estava acontecendo nos momentos que antecederam a sua famosa
foto de Kim Phuc?
Nick Ut: Um amigo me ligou dizendo que havia muitos
aviões sobrevoando o vilarejo. Os vietcongs e norte-vietnamitas tinha bloqueado
uma estrada por três ou quatro dias para o combate. No primeiro dia eu não fui.
No segundo dia, fui muito cedo, por volta de seis ou sete horas da manhã.
Quando eu cheguei lá, eu
estacionei meu carro. Havia muita fumaça e muito barulho. Boom boom boom. O
tempo todo.
Então eu viajei com os soldados
do Vietnã do Sul por cerca de duas milhas. Eu tirei muitas fotos de combates
intensos, com pessoas morrendo para todos os lados.
Quando eu voltei para a
estrada, David Burnett e vários membros da mídia estavam lá. Eu já tinha muitas
fotos, então eu não queria demorar muito. Por perto da hora do almoço eu vi um
soldado do Vietnã do Sul com uma bomba-guia. Ele a atirou, e uma fumaça amarela
começou a subir em direção ao céu.
Logo ouvimos o barulho de um
avião se aproximando. O primeiro avião mergulhou e lançou duas bombas. O
segundo, um A-1 Skyraider, derramou napalm. Nós pensamos “Nossa, a bomba estava
muito perto”, mas nós pensamos que não havia mais ninguém lá.
Eu tinha uma lente longa, então eu tiro fotos das bombas
caindo, e das explosões de bombas. Eu pensei comigo mesmo "Boas fotos. Talvez
ninguém mais tenha fotos porque todo mundo já saiu".
Eu olhei para a fumaça, e então eu vi crianças correndo.
Depois um gato. Depois outra família correndo. Então eu vi a avó de Kim Phuc
correndo com um bebê de um ano nos braços. Era uma senhora idosa, e estava
gritando “Me ajudem, me ajudem, ajudem meu neto”.
Quando ela estava há cerca de 50 passos de distancia, ela
parou, e todos os fotógrafos e cinegrafistas começaram a tirar fotos do bebê. O
garoto, aquele bebê de um ano, morreu em seus braços logo em seguida.
Eu me lembro de estar olhando pelo visor da minha Leica
quando o garoto morreu. Enquanto eu estava fotografando, eu vi no canto do
visor uma garota correndo com os braços abertos. Eu pensei “Oh meu Deus” e
comecei a correr em direção a ela e tirei todas as minhas fotos.
Enquanto eu estava fotografando, eu notei um fotógrafo
tentando rebobinar seu filme. Ele não tinha mais mais frames no rolo. Era David
Burnett, com uma Leica antiga – um modelo muito velho. 1945, ou algo assim. Era
muito difícil colocar o filme naquela câmera. Quando Kim veio correndo ele
tentou tirar a foto, mas ele não tinha filme, então começou a rebobinar. Depois
de colocar um novo rolo de filme, ele conseguiu uma foto dela sozinha, e uma de
suas costas, mas nenhuma de todas as pessoas correndo.
Então David ligou para o New York Times e para a revista
Time logo em seguida, dizendo “Nick Ut tem uma foto melhor. Nós precisamos
ligar para a AP imediatamente”. Eles viram a foto na AP de Saigon.
Depois de tirar a foto de Kim eu pensei “Oh meu deus”. A
garota estava correndo completamente nua, e quando ela passou por mim eu vi seu
braço esquerdo queimado e a pele se soltando de suas costas. Eu imediatamente
pensei que ela fosse morrer. Ela estava muito quente mesmo depois da bomba. Ela
estava gritando e gritando, e eu pensei “Oh meu Deus”. Foi quando eu parei de
tirar fotos dela.
Eu tinha água, então eu joguei água sobre seu corpo. Então
eu coloquei minhas câmeras no chão e comecei a ajudá-la. Eu peguei um casaco
impermeável emprestado para cobri-la e então comecei a garregá-la. O tio dela
disse “Por favor, ajude as crianças e leve-as para o hospital”. Eu respondi
“Sim, meu carro está logo ali”. Eu coloquei todas as crianças no meu carro
imediatamente.
Na van, com o meu motorista, toda vez que eu olhava para Kim
ela estava dizendo “Eu estou morrendo, eu estou morrendo”. Ela estava dizendo
aquilo para seu irmão. “Irmão, eu acho que eu vou morrer.”
O trânsito do vilarejo para o hospital estava muito ruim. Eu
ficava dizendo para o motorista “Depressa! Depressa!”.
Quando nós finalmente chegamos ao hospital, estava lotado,
cheio de corpos, pessoas morrendo e feridas por todos os lados. Eu corri para
dentro para pedir às enfermeiras e aos médicos que ajudassem as crianças,
contando a eles sobre o napalm. Depois de vê-los ela disse “Medicina
tradicional não pode ajudá-los. Nós não podemos fazer nada”.
Então eu mostrei a ela minha credencial de imprensa e falei
“Se essas crianças morrerem, você estará com problemas amanhã”. Assim que viu
que eu era da imprensa ela levou Kim para dentro na mesma hora.
Depois de ter ajudado as crianças, eu precisava voltar para
Saigon imediatamente. Muitas pessoas já estavam ajudando, então eu não
precisava ficar lá. Eu fui para o meu carro e corri de volta para a AP em Saigon. Só havia um
editor lá. Eu tinha oito rolos de filme que levei para o laboratório para serem
revelados. Era em preto e branco, e tudo levou cerca de dez minutos.
Depois de revelar os filmes nós olhamos os negativos. Quando
meu editor de fotografia olhou para uma das fotos ele ficou chocado e disse
“Nicky, por que você tirou fotos de uma garota nua?” Ele não sabia. Então eu
expliquei a ele sobre o ataque com napalm que atingiu o vilarejo. Ele ficou
chocado quando eu contei aquilo e escolheu um dos negativos. Ele levou o
negativo para o laboratório e fez uma ampliação 5x7 da imagem.
Então nós voltamos para a mesa e esperamos meu chefe e
outros dois editores chegarem. Os dois editores voltaram depois do almoço.
Quando eles viram a foto, eles disseram “Acho que não podemos usar essa foto no
jornal, porque a garota está nua”.
Quando meu chefe voltou e viu a foto ele perguntou “O que
aconteceu?” e eu disse “Um ataque com napalm”. Ele mandou todos se afastarem e
olhou todos os negativos novamente. Ele olhou vinte ou quinze imagens e então
gritou “Eu quero uma legenda nessas fotos imediatamente!”
Um dos editores perguntou novamente para ele “Você acha que
podemos usar essa foto?” Meu chefe respondeu “Eu não ligo. Escreva as legendas.
Ande!” Os editores enviaram a foto para Nova Iorque para deixar que eles
decidissem se a foto seria usada ou não. Quando Nova Iorque viu a força da foto
eles disseram que queriam usar a foto imediatamente.
A foto foi parar na primeira página de todos os jornais e
nas TVs. Me ligaram do jornal e disseram “Nicky, bom trabalho. Parabéns. Ótima
foto.”
No dia seguinte havia protestos contra a guerra no mundo
todo. Japão, Londres, Paris... Todos os dias depois daquele as pessoas estavam
protestando em
Washington DC , em frente à Casa Branca. A foto estava em
todos os lugares.
PP: Parece que
a maioria das pessoas chama a foto de “Napalm Girl”. É assim que você a chama?
Nick Ut: Eu chamo
essa foto de “terrível”.
PP: Você deu
algum nome específico para a foto?
Nick Ut: “Terrible
War.” Muita gente diz “Napalm Girl” ou “Napal Photo”, mas quando eu uso essa
foto eu digo “Terrible War”.
PP: Você pode
nos contar sobre como você descobriu que havia ganho o Prêmio Pulitzer?
Nick Ut: Eu era
muito jovem. Tinha apenas 19 anos. Depois de tirar a foto eu fui para outro
trabalho logo em seguida, depois outro.
Eu ganhei o World Press Photo primeiro, e depois um prêmio
atrás do outro. Finalmente me ligaram da AP e disseram “Nicky, vamos falar
sobre o Prêmio Pulitzer”. No dia seguinte, quando eu fui para o escritório da
AP, todo o staff estava lá com champagne e comida, me aplaudindo e dizendo que eu
era o número um. “Nicky, você ganhou o Prêmio Pulitzer.”
Nas duas semanas seguintes, a AP fazia festas quase todos os
dias para mim e minha foto. A AP também me enviou para Nova Iorque para receber
meu prêmio.
Jornais do mundo inteiro me ligavam para me entrevistar
sobre a foto. Isso me manteve muito ocupado. Depois de algum tempo, eu disse a
eles que não poderia mais falar, pois tinha que ir para um trabalho.
PP: Eu li que
você foi ferido três vezes durante a Guerra do Vietnã. Você pode nos dizer
quais ferimentos sofreu?
Nick Ut: O primeiro foi quando voltei para a casa de
Kim Phuc para visitá-la. Quando eu me aproximei da casa uma granada explodiu e
feriu minha perna. Doeu.
As outras duas vezes foram no Camboja. Eu tive muita sorte.
Uma delas quase me matou. Um míssil explodiu e feriu meu estômago.
Quando os fotógrafos vieram cobrir a Guerra do Vietnã, todos
eram atingidos por tiros. Era muito perigoso. Quatro ou cinco fotógrafos da AP
morreram em Saigon. Meu
irmão foi morto também.
PP: Em um
evento da Leica, eu ouvi Kim Phuc te chamar de “tio”. Como é a relação de vocês
agora?
Nick Ut: Ela me
chama de “Tio Nick”. Depois da foto, eu ia visitá-la o tempo todo. Ela é como
minha família. Eu ligo para ela uma vez por semana. Ela às vezes diz “Ele me
incomoda demais!” Ela está só brincando.
Ela me diz “Tio Nick, eu te amo”. Nós somos como uma família
agora. Eu ligo para ela o tempo todo.
PP: Que
conselhos você pode dar para quem quer ser fotojornalista?
Nick Ut: As pessoas
querem perigo. Não é fácil, é muito perigoso.
Primeira coisa. Muita gente aprende pela minha foto. Pessoas
que querem ajudar. Quando você vê alguém levar um tiro, ou ser ferido, ou
pessoas que precisam de ajuda, você não fica só olhando e deixa as pessoas
morrerem.
Lembre de Kevin Carter e de sua foto do abutre esperando
para comer a criança. Foi por isso que ele se matou. Com a garota atingida pelo
napalm, se eu não a tivesse ajudado e ela tivesse morrido, eu teria me matado
também.
Esse é o trabalho. As pessoas precisam aprender.
Além disso, lembre que há 40 anos, fotógrafos de guerra
carregavam muitas câmeras pesadas, quase cem rolos de filme. Negativo, preto e
branco, filme para slide... tudo em uma grande mochila.
Hoje, é mais fácil. Você só carrega duas câmeras e um
laptop. Você pode enviar as fotos na mesma hora. Tão fácil.
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