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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Entrevista com Nick Ut

O editor do site PetaPixel, Michael Zhang, entrevistou o fotojornalista Nick Ut, vencedor do Prêmio Pulitzer pela foto da garota atingida por Napalm durante a guerra do Vietnã.

Confira abaixo a tradução da entrevista.


PetaPixel: Você pode me contar um pouco sobre como foi sua infância?

Nick Ut: Eu tinha uma família grande no Vietnã. Meu pai era um fazendeiro. Minha mãe estava ocupada - havia dez irmãos e uma irmã. Família grande, mas alguns deles morreram na guerra. Meu irmão era um fotógrafo da AP. Ele trabalhou como cameraman da CBS em 1960. Em 1964, ele entrou para a AP, e trabalhou lá por quase dois anos. Ele foi morto em 1965, fazendo um trabalho para a AP.

Depois que meu irmão morreu, eu perguntei a AP para me dar um emprego. Eles me disseram que eu era muito jovem. Eu não tinha nem 16 anos na época. Eu continuei ligando para eles para dizer que eu precisava de um emprego. Finalmente, em 1966, eles me deram um emprego.



PP: Então você ligou para a AP pedindo um emprego?

Nick Ut: Sim, para o chefe do meu irmão, porque ele conhecia meu irmão muito bem. Eles não queriam me contratar porque meu irmão havia morrido. Então um dia eu liguei para eles dizendo: Ei, eu quero estudar alguma coisa, e eu amo esse trabalho.” Então eles me disseram para ir até lá.
Então eu comecei a estudar o trabalho do laboratório no laboratório da AP em Saigon. Eu amava o laboratório, porque em Saigon não havia nenhum lugar para estudar fotografia. Lembre-se, em 1966, o Vietnã era um país muito pobre. Sem câmeras. Nada.
Depois que meu irmão morreu, eles ficaram com a Leica, a Rolliflex e a Nikon dele. Eu peguei as câmeras e aprendi muito. No laboratório da AP eles tinham inúmeras câmeras. Todos os dias eu brincava com as câmeras de outros fotógrafos da AP. Eddie Adams, o famoso fotógrafo que fez a foto do vietcong sendo executado, trabalhou para a AP em Saigon. Muitos fotógrafos famosos trabalharam lá.
Mesmo eles estando ocupados, eu aprendi muito com eles. Todos os dias eu pegava minha câmera, saia, e tirava fotos de tudo. Então eu voltava, revelava os filmes, olhava para a minhas fotos, e dizia: “Oh, isso parece bom”.
Um dia, havia monges budistas ateando foto a eles mesmo em Saigon. Meu chefe falou “Nicky, você quer ir tirar fotos?”, eu pensei “Eu não sou um fotógrafo”, mas ele disse “Vá fotografar alguma coisa!” Então eu tirei algumas fotos. No dia seguinte, minha fotografia estava na primeira página. Foi isso que me impulsionou para ser um fotógrafo.
Eu passei mais de três meses aprendendo naquele laboratório. Em 1968, os vietcongs atacaram a embaixada americana em Saigon. Eu fui tirar fotos. A AP me falou “Você é um bom fotógrafo”. Foi assim que eu me tornei um fotógrafo de combate, em 1968.

PP: Qual foi a primeira câmera que você usou?

Nick Ut: Eu usei uma Nikon M e uma Leica M2. Depois a AP me deu uma M2, uma M3 e duas Nikon F, então eu carregava quatro câmeras toda vez que eu saia para um trabalho.

Então eu comecei a viajar e cobri Vietnã, Camboja, Laos... Eu viajava de motocicleta e fazia trabalhos todos os dias. Guerra todos os dias. Era uma loucura. Eu fiz isso até 1975 e a queda de Saigon.

Antes disso acontecer, a AP me disse “Você precisa se transferir para o Japão, mas antes de fazer isso, primeiro você precisa se tornar um refugiado”. Do Vietnã eu voei para as Filipinas, e depois para Califórnia. Para Camp Pendleton.

Eu fiquei lá por quase três semanas, antes da AP me dizer “Nicky, vamos tirar você daqui. Venha para Los Angeles. Precisamos preencher toda a papelada antes de transferir você para o Japão”
Passei quase duas semanas em Los Angeles enquanto meus papéis estavam sendo processados.

Em 1975, eu fui para Tóquio, e passei dois anos lá como fotógrafo da AP. Eu não estava cobrindo guerras, mas havia muitos soldados lá. Depois de dois anos eu pedi à AP para me transferir para Los Angeles. Naquela época eles tinham muitos fotógrafos lá, então eles não quiseram me transferir. Eles sugeriram me mandar para o Hawaii ou para Washington DC... para cobertura política. Eu disse “Washington é muito frio, eu não quero ir pra lá, e no Hawaii não há trabalhos para mim”. Então eles me mandaram para Los Angeles.
Eu passei mais de 30 anos em Los Angeles, de 1970 até agora. Eu passo muito tempo trabalhando em todo tipo de cobertura: política, esportes, incêndios, prisões, etc... todos os tipos de cobertura.

PP: Você se lembra o que estava acontecendo nos momentos que antecederam a sua famosa foto de Kim Phuc?

Nick Ut:  Um amigo me ligou dizendo que havia muitos aviões sobrevoando o vilarejo. Os vietcongs e norte-vietnamitas tinha bloqueado uma estrada por três ou quatro dias para o combate. No primeiro dia eu não fui. No segundo dia, fui muito cedo, por volta de seis ou sete horas da manhã.

Quando eu cheguei lá, eu estacionei meu carro. Havia muita fumaça e muito barulho. Boom boom boom. O tempo todo.

Então eu viajei com os soldados do Vietnã do Sul por cerca de duas milhas. Eu tirei muitas fotos de combates intensos, com pessoas morrendo para todos os lados.

Quando eu voltei para a estrada, David Burnett e vários membros da mídia estavam lá. Eu já tinha muitas fotos, então eu não queria demorar muito. Por perto da hora do almoço eu vi um soldado do Vietnã do Sul com uma bomba-guia. Ele a atirou, e uma fumaça amarela começou a subir em direção ao céu.

Logo ouvimos o barulho de um avião se aproximando. O primeiro avião mergulhou e lançou duas bombas. O segundo, um A-1 Skyraider, derramou napalm. Nós pensamos “Nossa, a bomba estava muito perto”, mas nós pensamos que não havia mais ninguém lá.

Eu tinha uma lente longa, então eu tiro fotos das bombas caindo, e das explosões de bombas. Eu pensei comigo mesmo "Boas fotos. Talvez ninguém mais tenha fotos porque todo mundo já saiu".

Eu olhei para a fumaça, e então eu vi crianças correndo. Depois um gato. Depois outra família correndo. Então eu vi a avó de Kim Phuc correndo com um bebê de um ano nos braços. Era uma senhora idosa, e estava gritando “Me ajudem, me ajudem, ajudem meu neto”.

Quando ela estava há cerca de 50 passos de distancia, ela parou, e todos os fotógrafos e cinegrafistas começaram a tirar fotos do bebê. O garoto, aquele bebê de um ano, morreu em seus braços logo em seguida.

Eu me lembro de estar olhando pelo visor da minha Leica quando o garoto morreu. Enquanto eu estava fotografando, eu vi no canto do visor uma garota correndo com os braços abertos. Eu pensei “Oh meu Deus” e comecei a correr em direção a ela e tirei todas as minhas fotos.



Enquanto eu estava fotografando, eu notei um fotógrafo tentando rebobinar seu filme. Ele não tinha mais mais frames no rolo. Era David Burnett, com uma Leica antiga – um modelo muito velho. 1945, ou algo assim. Era muito difícil colocar o filme naquela câmera. Quando Kim veio correndo ele tentou tirar a foto, mas ele não tinha filme, então começou a rebobinar. Depois de colocar um novo rolo de filme, ele conseguiu uma foto dela sozinha, e uma de suas costas, mas nenhuma de todas as pessoas correndo.

Então David ligou para o New York Times e para a revista Time logo em seguida, dizendo “Nick Ut tem uma foto melhor. Nós precisamos ligar para a AP imediatamente”. Eles viram a foto na AP de Saigon.

Depois de tirar a foto de Kim eu pensei “Oh meu deus”. A garota estava correndo completamente nua, e quando ela passou por mim eu vi seu braço esquerdo queimado e a pele se soltando de suas costas. Eu imediatamente pensei que ela fosse morrer. Ela estava muito quente mesmo depois da bomba. Ela estava gritando e gritando, e eu pensei “Oh meu Deus”. Foi quando eu parei de tirar fotos dela.

Eu tinha água, então eu joguei água sobre seu corpo. Então eu coloquei minhas câmeras no chão e comecei a ajudá-la. Eu peguei um casaco impermeável emprestado para cobri-la e então comecei a garregá-la. O tio dela disse “Por favor, ajude as crianças e leve-as para o hospital”. Eu respondi “Sim, meu carro está logo ali”. Eu coloquei todas as crianças no meu carro imediatamente.

Na van, com o meu motorista, toda vez que eu olhava para Kim ela estava dizendo “Eu estou morrendo, eu estou morrendo”. Ela estava dizendo aquilo para seu irmão. “Irmão, eu acho que eu vou morrer.”

O trânsito do vilarejo para o hospital estava muito ruim. Eu ficava dizendo para o motorista “Depressa! Depressa!”.

Quando nós finalmente chegamos ao hospital, estava lotado, cheio de corpos, pessoas morrendo e feridas por todos os lados. Eu corri para dentro para pedir às enfermeiras e aos médicos que ajudassem as crianças, contando a eles sobre o napalm. Depois de vê-los ela disse “Medicina tradicional não pode ajudá-los. Nós não podemos fazer nada”.

Então eu mostrei a ela minha credencial de imprensa e falei “Se essas crianças morrerem, você estará com problemas amanhã”. Assim que viu que eu era da imprensa ela levou Kim para dentro na mesma hora.

Depois de ter ajudado as crianças, eu precisava voltar para Saigon imediatamente. Muitas pessoas já estavam ajudando, então eu não precisava ficar lá. Eu fui para o meu carro e corri de volta para a AP em Saigon. Só havia um editor lá. Eu tinha oito rolos de filme que levei para o laboratório para serem revelados. Era em preto e branco, e tudo levou cerca de dez minutos.
Depois de revelar os filmes nós olhamos os negativos. Quando meu editor de fotografia olhou para uma das fotos ele ficou chocado e disse “Nicky, por que você tirou fotos de uma garota nua?” Ele não sabia. Então eu expliquei a ele sobre o ataque com napalm que atingiu o vilarejo. Ele ficou chocado quando eu contei aquilo e escolheu um dos negativos. Ele levou o negativo para o laboratório e fez uma ampliação 5x7 da imagem.

Então nós voltamos para a mesa e esperamos meu chefe e outros dois editores chegarem. Os dois editores voltaram depois do almoço. Quando eles viram a foto, eles disseram “Acho que não podemos usar essa foto no jornal, porque a garota está nua”.

Quando meu chefe voltou e viu a foto ele perguntou “O que aconteceu?” e eu disse “Um ataque com napalm”. Ele mandou todos se afastarem e olhou todos os negativos novamente. Ele olhou vinte ou quinze imagens e então gritou “Eu quero uma legenda nessas fotos imediatamente!”

Um dos editores perguntou novamente para ele “Você acha que podemos usar essa foto?” Meu chefe respondeu “Eu não ligo. Escreva as legendas. Ande!” Os editores enviaram a foto para Nova Iorque para deixar que eles decidissem se a foto seria usada ou não. Quando Nova Iorque viu a força da foto eles disseram que queriam usar a foto imediatamente.

A foto foi parar na primeira página de todos os jornais e nas TVs. Me ligaram do jornal e disseram “Nicky, bom trabalho. Parabéns. Ótima foto.”
No dia seguinte havia protestos contra a guerra no mundo todo. Japão, Londres, Paris... Todos os dias depois daquele as pessoas estavam protestando em Washington DC, em frente à Casa Branca. A foto estava em todos os lugares.

PP: Parece que a maioria das pessoas chama a foto de “Napalm Girl”. É assim que você a chama?

Nick Ut: Eu chamo essa foto de “terrível”.

PP: Você deu algum nome específico para a foto?

Nick Ut: “Terrible War.” Muita gente diz “Napalm Girl” ou “Napal Photo”, mas quando eu uso essa foto eu digo “Terrible War”.




PP: Você pode nos contar sobre como você descobriu que havia ganho o Prêmio Pulitzer?

Nick Ut: Eu era muito jovem. Tinha apenas 19 anos. Depois de tirar a foto eu fui para outro trabalho logo em seguida, depois outro.

Eu ganhei o World Press Photo primeiro, e depois um prêmio atrás do outro. Finalmente me ligaram da AP e disseram “Nicky, vamos falar sobre o Prêmio Pulitzer”. No dia seguinte, quando eu fui para o escritório da AP, todo o staff estava lá com champagne e comida, me aplaudindo e dizendo que eu era o número um. “Nicky, você ganhou o Prêmio Pulitzer.”

Nas duas semanas seguintes, a AP fazia festas quase todos os dias para mim e minha foto. A AP também me enviou para Nova Iorque para receber meu prêmio.

Jornais do mundo inteiro me ligavam para me entrevistar sobre a foto. Isso me manteve muito ocupado. Depois de algum tempo, eu disse a eles que não poderia mais falar, pois tinha que ir para um trabalho.

PP: Eu li que você foi ferido três vezes durante a Guerra do Vietnã. Você pode nos dizer quais ferimentos sofreu?

Nick Ut:  O primeiro foi quando voltei para a casa de Kim Phuc para visitá-la. Quando eu me aproximei da casa uma granada explodiu e feriu minha perna. Doeu.

As outras duas vezes foram no Camboja. Eu tive muita sorte. Uma delas quase me matou. Um míssil explodiu e feriu meu estômago.

Quando os fotógrafos vieram cobrir a Guerra do Vietnã, todos eram atingidos por tiros. Era muito perigoso. Quatro ou cinco fotógrafos da AP morreram em Saigon. Meu irmão foi morto também.

PP: Em um evento da Leica, eu ouvi Kim Phuc te chamar de “tio”. Como é a relação de vocês agora?

Nick Ut: Ela me chama de “Tio Nick”. Depois da foto, eu ia visitá-la o tempo todo. Ela é como minha família. Eu ligo para ela uma vez por semana. Ela às vezes diz “Ele me incomoda demais!”  Ela está só brincando.

Ela me diz “Tio Nick, eu te amo”. Nós somos como uma família agora. Eu ligo para ela o tempo todo.



PP: Que conselhos você pode dar para quem quer ser fotojornalista?

Nick Ut: As pessoas querem perigo. Não é fácil, é muito perigoso.

Primeira coisa. Muita gente aprende pela minha foto. Pessoas que querem ajudar. Quando você vê alguém levar um tiro, ou ser ferido, ou pessoas que precisam de ajuda, você não fica só olhando e deixa as pessoas morrerem.
Lembre de Kevin Carter e de sua foto do abutre esperando para comer a criança. Foi por isso que ele se matou. Com a garota atingida pelo napalm, se eu não a tivesse ajudado e ela tivesse morrido, eu teria me matado também.

Esse é o trabalho. As pessoas precisam aprender.

Além disso, lembre que há 40 anos, fotógrafos de guerra carregavam muitas câmeras pesadas, quase cem rolos de filme. Negativo, preto e branco, filme para slide... tudo em uma grande mochila.

Hoje, é mais fácil. Você só carrega duas câmeras e um laptop. Você pode enviar as fotos na mesma hora. Tão fácil.

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