O Brasil que não sabe votar
No segundo semestre de 2008, os jornalistas Eduardo Scolese e Hudson Corrêa, da Folha de S. Paulo, percorreram o Brasil e acompanharam o período eleitoral em 30 cidades isoladas, localizadas no interior do país.
Carregando apenas um notebook, um celular, bloco de anotações e uma máquina fotográfica, os repórteres podiam ficar apenas um dia em cada município visitado e deveriam entrevistar nesse dia os candidatos locais e munícipes para saber suas visões sobre as eleições.
O resultado dessa saga foi a série de reportagens “Eleições na Estrada”, transformada posteriormente em um livro-reportagem de título homônimo.
“A pouco mais de um mês das eleições, o que se vê e ouve por lá [Acopiara] é um clima de vale tudo na campanha. Carro de som no último volume, ameaça de exclusão do Bolsa Família e destituição de túmulo, acredite, são algumas das táticas em uso pelos candidatos”
Falar sobre eleições em nosso país é uma tarefa complicada. Se pararmos para analisar o contexto eleitoral nas principais cidades brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, é identificada uma ignorância coletiva por parte dos eleitores em geral. Um bom exemplo é que a cada ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cria campanhas publicitárias que expliquem o que um deputado faz, quais são as responsabilidades de um senador, entre outros. Esse fato mostra um despreparo dos cidadãos sobre suas funções políticas e um desconhecimento sobre a importância delas.
Considerando que nas grandes metrópoles nacionais a política ainda é tema de incertezas, nas cidades mais interioranas do país as dúvidas e o descaso sobre o assunto estão cada vez mais frequentes. É esse o principal déficit mostrado no livro.
“Em Pedro Laurentino, num único dia de apuração, foi possível identificar que o prefeito e candidato à reeleição, Gilson Rodrigues, do PTB, encaixou e manteve no programa [Bolsa Família] famílias que vivem em cidades vizinhas. Em troca, apresentou a elas uma ‘condicionante’: que transferissem seus títulos de eleitor para Pedro Laurentino. Ou seja, cartão do Bolsa Família em troca de voto”
O grande choque na leitura dessa obra é saber que existem locais em que para um candidato ser eleito, ele ultrapassa os limites das leis e da ética. Água, energia elétrica e até o programa Bolsa Família, como mostrou a citação anterior, são usados como moeda de troca por votos. Mas o pior não é saber que existe esse tipo de ação, mas sim o resultado que isso gera. Poupando spoilers, é possível dizer que esse tipo de conduta se mostra cada vez mais presente e cada vez mais invisível aos olhos do Governo Federal e dos órgãos políticos que deveriam garantir uma eleição segura a todos.
“Mãe de 11 filhos, sendo oito deles vivos, ela [Anida Rodrigues Cardoso] vive há 53 anos nessa mesma comunidade, sempre sem energia elétrica. ‘É uma vida triste. Meu marido morreu sufocado com a fumaça do candeeiro [a diesel]’, diz a lavradora. Ela afirma ter esperança de, um dia, ter uma geladeira em casa. ‘A gente nunca perde a fé. Quem é que não sonha com uma cervejinha gelada?’”
Eduardo Scolese e Hudson Corrêa merecem os parabéns. A cobertura com os candidatos políticos, o correr atrás de personagens simples e vítimas da política e a transformação da desigualdade identificada por ambos em grandes matérias fez com que Eleições na Estradase tornasse um livro humano, envolvente e questionador.
Ao terminar a leitura de suas páginas, fica-se o desejo de mudar. De entender o porquê dessas situações, de averiguar se ainda hoje, quase cinco anos após a idealização das reportagens, tudo continua igual nesses 30 pobres municípios. No fim, Eleições na Estradanão é meramente um livro, é uma consciência política que todos devemos ter.
Título: Eleições na Estrada – Jornalismo e realidade nos grotões do país
Autores: Eduardo Scolese e Hudson Corrêa
Ano: 2009
Editora: PubliFolha
Páginas: 277
Preço: R$ 29,90 (Livraria Cultura)
* Resenha feita pelo aluno Rafael Revadam
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