Uma das coisas que tenho visto neste primeiro ano de faculdade, é que, para ser um bom jornalista, o cidadão precisa ter o dom de observar, e saber colocar no papel a reconstituição mais fiel do que conseguiu perceber.
Porque o seu leitor não teve a oportunidade de estar presente no local do fato, mas este mesmo leitor consegue enxergar a notícia através dos olhos do jornalista.
Cito agora um trecho do livro A arte de fazer um jornal diário, em que o autor Ricardo Noblat descreve o que fez o repórter Elio Gáspari na cobertura do velório do grupo Mamonas Assassinas em março de 1996.
"Eis como Elio começou sua reportagem:
Guarulhos se bastou chorando a morte dos artistas do lugar.
Havia 62 coroas. Num lugar de honra, a de Gugu Liberato. Depois, o retrato do pedaço: "Amigos do Reggae Night","Mecânica Panda","Empresa Meteoro" e "Saudades do Nua Bar", onde eles cantavam antes do Utopia. Os caixões eram sete, mas a funerária não teve cruxifixos. Vieram só cinco. Foram 14 horas de fila.
Uns poucos meninos jogaram flores e folhas de mamona em direção aos caixões. Eram sete famílias ( cinco Mamonas, um técnico de palco e um agente de segurança). Nenhum terno, nenhuma solenidade. Para quem vive de grandes funerais, os Mamonas fizeram sucesso até o fim.
Valdir Pinheiro mora em Osasco, tem uma Kombi na qual carrega sua carrocinha de cachorros-quentes. Esteve em funerais memoráveis. Tancredo Neves ("o maior de todos, nunca vendi tanto, mas também foram vários dias"), Elis Regina e Ayrton Senna ("havia muita solidariedade, vendi 250, mas lá eu servia também calabresa").
Esperava vender 150 e gostava dos Mamonas."
E o autor termina assim:
"Li todas as reportagens publicadas pelos principais jornais brasileiros sobre o velório dos Mamonas. Em nenhuma, salvo na do Elio em O Estado de São Paulo, encontrei a informação sobre o número de coroas e a falta de dois cruxifixos. Em nenhuma outra li sobre a falta de cunho oficial e de solenidade do velório."
Agora, como adquirimos o dom da observação?
Bom.. ainda não sei, mas tenho uma teoria:
Com o nosso dia a dia.
Sabem, aquele ditado, não olharmos apenas para o nosso umbigo, penso que se aplica aqui.
Posso perceber na reportagem de Elio Gáspari, um tom de ser humano, que consegue enxergar o mundo a sua volta com solidariedade, que transmiti ao seu leitor, toda emoção ou comoção que envolveu a morte e o velório de um grupo de rapazes que estavam apenas começando!
Então eu reflito que se apesar da correria que é o nosso dia a dia, conseguirmos olhar ao redor, e perceber se o sol brilha ou não, se ao invés de caminharmos olhando para o chão, dermos nossos passos com olhos no horizonte, talvez a arte da observação possa aflorar mais facilmente em nós.
Se conseguirmos enxergar o outro, seja em nossa família, em nosso trabalho, em nossos amigos, ou em quem não nos desce, talvez possamos desenvolver além da observação um outro talento também necessário no jornalismo - a arte de se solidarizar com o mundo.
E quem sabe, através desse olhar, o mundo possa enxergar o outro com solidariedade.
Me perdoem - eu e minhas utopias!!!
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